Entrevista realizada com a professora Florisa Valverde Mendes, professora sala de recursos e professora itinerante da Regional de Ensino de Ceilândia numa sexta-feira, dia 20/11/2009.
1- Comente sobre o trabalho que você desempenha na sala de recursos:
Bem, a sala de recursos é basicamente para fazer a produção de material e atendimento individualizado, marcamos uma hora de atendimento para cada aluno semanalmente, mas considerando a necessidade, podem ser feitos até três atendimentos por semana, a depender também do tempo que dispomos.
Neste atendimento individualizado, trabalhamos o estímulo visual e as dificuldades que eles têm na vida diária, mas também fazemos atendimento à família e orientação para o trabalho.
Na verdade quando o aluno entra aqui, ele passa a ser atendido em todo o seu processo de ensino-aprendizagem, até o ensino médio, não existe uma quebra de trabalho na sala de recursos, o aluno é sempre acompanhado todos os anos da sua vida escolar, com isso vemos o crescimento do aluno ao longo do tempo e até depois, Muitas vezes quando o aluno entra numa faculdade, eles pedem para eu faça uma sensibilização sobre o trabalho com deficientes visuais e dê algumas orientações básicas, mas este não é meu trabalho de sala de recursos, nós fazemos porque geralmente as faculdades não têm este trabalho de apoio para o aluno com deficiência visual.
Então, a sala de recursos seria somente para o atendimento individualizado e a produção de material, e teria que ter professores itinerantes para fazer o trabalho fora da escola, mas não tem e nós acumulamos os dois trabalhos, da sala de recursos e da itinerância, atendemos todos os alunos com deficiência visual nas escolas da Ceilândia.
Fazemos também um atendimento da comunidade, todas as escolas de Ceilândia que precisa de um encaminhamento passam por nós, pois todo encaminhamento dos alunos com deficiência visual vem para a sala de recursos, nós encaminhamos para a avaliação e damos o feedback, se o aluno será atendido por nós ou não.
É um trabalho amplo, que acompanha toda a vida do aluno, por exemplo, as vezes a família chega aqui tão tensa preocupada e sem saber como proceder, e nós orientamos de como deve seguir a vida acadêmica do aluno. São muitas as resistências que enfrentamos, quando um aluno é baixa visão, por exemplo, e precisamos fazer o treinamento da mobilidade, a família geralmente não aceita pois afirmam que o aluno não é cego, daí temos que trabalhar também com a família para que compreenda a importância do treinamento com mobilidade, por exemplo, da utilização da bengala, ou ainda do aprendizado do Braille, pois muitas vezes o aluno enxerga, mas esta visão não pode ser aproveitada especificamente em todas as leituras que ele precisará fazer ao longo da vida.
Por exemplo, o aluno J.,ele já era adolescente e teve um grave tumor cerebral, e agora apresenta uma visão extremamente comprometida, a família não aceita muito bem o treinamento da mobilidade. O J. tem uma insegurança muito grande em relação ao andar, pois ele não tem noção espacial, noção de lateralidade, ele anda esbarrando e por insegurança ele fica sempre quieto. Esta é uma problemática, porque ele precisa do apoio da família, que ao invés de incentivar, não acredita que ele precise deste treinamento. Eu tenho alunos que tem a visão muito mais comprometida do que a de J. e não apresentam esta insegurança, porque eles e seus familiares aceitam o trabalho de mobilidade e tentam lidar com a situação da baixa visão.
2- Neste tempo que você trabalha como professora especializada em atendimento de alunos com deficiência visual o que mais dificulta o seu O que dificulta mais o seu trabalho na sala de recursos:
Uma das dificuldades é a aceitação da realidade do aluno por parte da família, muitas vezes são negligentes, é preciso então que façamos uma sensibilização com conversas, filmes para tentar conscientizar a família deste processo e inclusão do aluno para participação efetiva na sociedade.
Outra dificuldade que enfrentamos é de um apoio mais eficiente para a produção do material do aluno, muitas vezes quebramos a cabeça para produzir um material adequado para o aluno, pois não possuímos aparato tecnológico ou manual mesmo que atendam as nossas necessidades.
3- Você considera satisfatória a inclusão de alunos com baixa visão em turmas regulares? O que os alunos de baixa visão ganham quando são inclusos em turmas regulares?
Não é só satisfatória, é ideal a inclusão destes alunos. Eles têm que estar em turmas regulares, não há muitas controvérsias para a inclusão destes alunos, eles acompanham muito bem as aulas, são tratados com igualdade pelos colegas e professores. Mas quando o aluno também apresenta outras dificuldades, como o déficit intelectual, pode dificultar este acompanhamento dos conteúdos.
O aluno com baixa visão acompanha normalmente os conteúdos desde que tenha o apoio adequado as necessidades deles, a sociabilização deles são ótimas, às vezes até demais, porque os outros coleguinhas deles têm um grande carinho por eles, pois esta deficiência visual toca as pessoas, que cuidam muito deles e apóiam mesmo estes alunos. Nunca percebi nenhuma exclusão direta de pessoas nas salas regulares em relação a estes alunos que apresentam deficiência visual.
4- Você tem algum aluno com baixa visão inserido no mercado de trabalho do qual você possa partilhar um pouco da historia deste aluno?
Eu tive uma aluna com baixa visão, ela está fazendo curso superior e está trabalhando, inclusive é ela quem paga a faculdade. Eu acho a história dela interessante, uma vez eu fui ao médico, porque às vezes até esse trabalho a gente faz, para saber o que o médico fala da criança, e o médico disse que achava incrível o caso dela.
Ela estudou comigo durante toda a vida escolar e ela não teve uma linha ampliada, estudava nos livros comuns, só tinha o nosso apoio, íamos a escola conscientizar os professores e a família. Ela enxergava 20/ 400, e segundo a Associação Brasileira, ela é considerada cega, então se ela quisesse ter o benefício, ela teria, é uma família muito carente, quando eu comecei a atendê-la eu orientei a família para procurar o benefício, mas ela (a aluna) disse: professora eu não quero, eu vou trabalhar. Eu insisti, disse que não tinha problema, quando ela trabalhasse poderia suspender o benefício, mas ela não aceitou. Quando ela fez 16 anos, conseguiu... E me ligou e falou: “professora eu estou trabalhando”. Passou um tempo e ela ligou novamente dizendo que a empresa tinha adaptado o computador para ela entre outras coisas. Pouco depois, me avisou que tinha passado no vestibular e que ela mesma estava pagando a faculdade.
Então a história dela me emocionou, ela não quis, embora precisasse do benefício, e ela tinha a visão tão comprometida, não tinha nem visão de cores, por isso que o médico falava que não sabia como ela conseguia fazer o que ela faz. Na ela só vê claro e escuro, então roupa e outras coisas ela compra pelo gosto dela, mas ela não vê as diferenças de cores como nós.
Ela veio aqui, atrás de mim para eu ir à faculdade para fazermos uma sensibilização, para melhorar o atendimento. Depois que eu fui lá, nunca mais ela me ligou, então com certeza ela está indo bem. Ela estuda na faculdade Evangélica e está fazendo um curso na área de humanas, mas não me recordo qual.
Sabemos o quanto educar é desgastante, às vezes dá um desânimo, mas quando eu vejo o quanto eles estão inseridos, tem uns alunos meus que estão passando em concursos, e eu só vejo progressos eu não vejo regressos, eu me sinto aliviada e um pouco realizada.
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